terça-feira, 6 de julho de 2021

Sudamericungulata: um novo ramo de Afrotheria Sul-americanos

Em sua pesquisa recém publicada, os paleontólogos Leonardo Avilla e Dimila Mothé realizaram a até então mais abrangente análise filogenética com mamíferos ungulados nativos da América do Sul ("SANUs", na sigla em inglês para "South American native ungulates") e outros Eutheria, trazendo importantes resultados para sua classificação. A filogenia desses animais foi melhor esclarecida, e uma nova linhagem de ungulados nativos sul-americanos foi identificada dentro da Afrotheria: a Sudamericungulata.

Os SANUs incluem os Astrapotheria, Didolodontidae, Litopterna, Notoungulata, Pyrotheria e Xenungulata. Sua classificação costuma ser um tanto complicada, pois geralmente a amostragem dos grupos analisados não é ideal (nunca abrangendo todas as linhagens de uma vez). Tradicionalmente, todos têm sido agrupados como Meridiungulata, como animais mais próximos entre si do que de outros ungulados. O novo trabalho, ao analisar filogeneticamente características morfológicas de integrantes de todos os grupos de SANUs juntos + outros Eutheria, mostra que Meridiungulata não é natural. Uma de suas linhagens, a agora reconhecida Sudamericungulata (Astrapotheria, Notoungulata, Pyrotheria e Xenungulata), se encontra entre os Afrotheria, enquanto o outro ramo, os Panameriungulata (Didolodontidae e Litopterna), são mais próximos de mamíferos Laurasiatheria.

Dentro dos afrotérios, os sudamericungulados são mais próximos dos Hyracoidea. Pela idade dos membros mais antigos conhecidos de cada um desses grupos, seu último ancestral em comum data do Paleoceno. Esse resultado é possível e apoiado pelo modelo paleogeográfico Atlantogea, onde uma cadeia de ilhas formada do Cretáceo Superior ao Eoceno, constituída em parte pela Elevação do Rio Grande e a Cordilheira de Walvis, conectava a América do Sul à África durante esse período.

Na imagem, a América do Sul e a África são mostradas com a paleogeografia de 50 MA, durante o Eoceno Inferior, incluindo a rota de ilhas do modelo Atlantogea conectando os Continentes. Os Sudamericungulados ilustrados são Astrapotherium burmeisteri, Carodnia vierai e Toxodon platensis, e os outros Afrotérios são Arsinoitherium zitteli e espécies viventes de damão (Procavia capensis), elefante (Loxodonta africana) e tenreque (Hemicentetes semispinosus).

A convite e supervisão dos autores Leonardo e Dimila, tive o prazer de produzir a ilustração para a divulgação da pesquisa! 

Confira, no link abaixo, o artigo na íntegra:

Pintura digital, Wacom Intuos + Photoshop CS5.



sábado, 3 de julho de 2021

Aegirocassis

O radiodonte gigante Aegirocassis benmoulai, do Ordoviciano Inferior de onde hoje se encontra o Marrocos.

Entre os Radiodonta, Aegirocassis foi um paralelo daquilo que as baleias são para os mamíferos: um integrante grandalhão, o maior do grupo, que se alimenta por filtração. Com a notável carapaça sobre sua cabeça, o animal media cerca de 2 m de comprimento.

Os fósseis do animal mostram uma preservação fantástica, fossilizando seu corpo de maneira tridimensional e algumas partes delicadas em detalhes.

O 2 apêndices localizados à frente da cabeça eram adaptados para filtrar a água enquanto a criatura nadava. Eram segmentados em 7 partes, onde as 5 centrais possuíam um longo espinho ventral com aproximadamente 80 cerdas filtradoras cada. O 1º segmento (mais próximo da cabeça) era mais longo e tinha um espinho mais curto, semelhante a um pente, com pontas direcionadas para trás. É sugerido que o animal nadasse com os apêndices apontados para frente, filtrando alimento pela água, e dobrasse um desses membros para trás de forma que os espinhos e suas cerdas passassem pelo "pente" do apêndice oposto, transferindo para ele a comida coletada. O "pente" levava então o alimento para próximo da boca para que fosse sugado. Enquanto não coletava comida, Aegirocassis poderia nadar com os apêndices dobrados para baixo, com os espinhos alinhados na horizontal, para reduzir o arrasto na água. 

Os elementos da carapaça, um frontal e o que parece ser um par lateral de peças ovais, cobriam sua cabeça. O grande elemento frontal poderia ultrapassar 1 m de comprimento, dobrando o tamanho total do animal. Duas formas dessa carapaça central são conhecidas: uma como mostrado no modelo, com um par de extensões pontudas em suas margens, e outra com dois pares de extensões.

Seu corpo, fossilizado tridimensionalmente, mostra que cada lado era dotado de 2 fileiras de "abas" semelhantes a barbatanas, uma dorsal e uma ventral, cada uma com 10 abas. As dorsais parecem ter um papel de estabilização e direção, e as ventrais de propulsão. Tecido muscular associado a elas sugere que o animal teve ótimo controle sobre seus movimentos, proporcionando um nado ágil, ainda que não veloz - suas proporções e hidrodinâmica indicam um nadador de longas distâncias em velocidade constante.

Essa preservação excepcional das 2 fileiras de abas proporcionou uma visão importante para seu grupo, permitindo reavaliar espécimes de parentes como Hurdia e Peytoia e identificar elementos dorsais e ventrais com mais clareza. Dessa forma, esses animais também parecem ter possuído 2 fileiras ao invés de uma, o que era difícil de interpretar por fósseis achatados. Outros parentes mais distantes, como Anomalocaris, parecem de fato ter apenas uma fileira, sugerindo que parte do grupo perdeu as abas dorsais em algum momento.

Outro elemento interessante e bem preservado são suas bandas de "lâminas de cerdas", ou setal blades. Essas bandas se juntavam ao corpo perto da base das abas dorsais e cobriam o dorso do animal como arcos, sem se conectar a ele. Eram contínuas, diferente de como aparecem em radiodontes como Anomalocaris e Hurdia, onde são separadas ao meio. É provável que essas estruturas tivessem um papel respiratório.

A cabeça, infelizmente, não foi bem preservada, não sendo possível conhecer bem seu aspecto, os olhos e o aparato bucal. No entanto, um espaço livre entre os elementos da carapaça corresponde à posição dos olhos em outros radiodontes, sendo então muito provavelmente o local de onde se projetavam os olhos do Aegirocassis. Seu cone oral é ausente dos fósseis (ou pelo menos é raro, visto que partes isoladas são conhecidas, mas difíceis de atribuir a A. benmoulai), o que pode indicar que era frágil e menos enrijecido do que em outros Radiodonta. A ideia dessa fragilidade ou redução é reforçada pela abundância de indivíduos e outros elementos (incluindo partes pequenas, como as cerdas filtradoras) fossilizados na área, e também por sua dieta filtradora dispensar um aparelho bucal rígido e resistente. Para reconstruir o animal com um palpite seguro, o modelo retrata um cone parecido com o de radiodontes Hurdiidae, família do Aegirocassis.

Este enorme e antigo invertebrado não só oferece um show visual com sua aparência incomum, mas também informações preciosas sobre os Radiodonta (e também para os artrópodes, mas essa já é outra história).

Porcelana fria, escala 1:7.