segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Banquete no Litoral - Formação Pisco

Não muito longe da orla de uma praia no Peru durante o Mioceno Tardio, a busca por alimento e a luta para não virar comida movimentam a vida abaixo d'água. Esta fauna marinha conta não só com criaturas um tanto esquisitas aos nossos olhos, mas também com alguns gêneros e espécies que continuam vivendo nos dias de hoje.
 
À frente da cena, uma mãe Odobenocetops leptodon e seu filhote se alimentam de bivalves Anadara sp. que encontram no fundo. Este animal peculiar, aparentado aos atuais beluga e narval, chama a atenção por possuir o focinho mais curto entre os cetáceos, além de um par de pequenas presas voltadas para trás (nos machos, apenas um lado possuía uma presa extremamente longa, de até 1 m). Embora não seja conhecido por esqueletos completos, a proporção de suas vértebras indica um animal de 3 m de comprimento. A mãe nada cobrindo o filhote, como se instintivamente o protegesse de um perigo próximo. Fora os Anadara, os cetáceos acabam afugentando as vieiras Chlamys sp., que revelam uma habilidade rara entre bivalves: ao sinal de perigo, são capazes de nadar. 

O fundo também atrai alguns herbívoros, e preguiças-gigantes Thalassocnus natans se reúnem para devorar as gramas marinhas Zosteraceae. Estes xenartros de 2,5 m mostram mais uma adaptação a um nicho tão diferente entre seu grupo, que distoa das pequenas preguiças arborículas atuais. Perto deles, estrelas-do-mar Luidia magellanica atacam os ouriços-do-mar Loxechinus sp., e arraias Myliobatis sp. vasculham a areia atrás de bivalves. Pelo canto inferior esquerdo, alguns pepinos-do-mar Isostichopus fuscus se enterram na areia, mantendo apenas seus tentáculos expostos para coletar partículas de alimento. Alguns indivíduos estão fora da areia e sobre uma rocha, que também abriga um Octopus vulgaris (polvo comum), que se camufla. Distantes, no canto direito, crescem algumas algas Lessonia sp. e, cima delas, no canto superior mas mais afastada, há uma Architeuthis sp. (lula-gigante), sendo especulativa a sua presença neste período. Por algum motivo impulsionado por sua saúde debilitada, o grande cefalópode é mostrado deixando seu habitat em águas profundas e chegando até a costa (um fenômeno trágico, mas que ocorre até hoje e nos permite conhecer melhor este elusivo animal).
 
Enquanto se alimentam, os OdobenocetopsThalassocnus podem se tornar a próxima refeição de outro animal que se aproxima, vindo do mar aberto: um grupo de Acrophyseter robustus, caçadores de ~4,5 m. Esses cetáceos possuíam dentes grandes e fortes, indicando que caçavam presas de tamanho considerável como, por exemplo, outros mamíferos marinhos. Eles fazem parte da superfamília Physeteroidea, que inclui os cachalotes atuais - Acrophyseter e algumas outras espécies do Mioceno são, inclusive, chamadas de "cachalotes macropredadores", devido suas adaptações para abater animais grandes. 
 
O prato principal da cena, um espetáculo que atrai diversas bocas famintas, é um cardume de Sardinops sp. Esses peixes prateados de ~40 cm buscam a segurança nos números, mas enfrentam ataques simultâneos que confundem sua formação defensiva. Duas espécies de pinguins, a menor Spheniscus humboldti (pinguim-de-humboldt), vindos da praia, e a maior e de bico proporcionalmente mais longo e robusto, Spheniscus megarhampus, vindos do mar aberto, atacam em seus bandos e acabam coordenando por acaso suas investidas, que perfuram o cardume. Baleias Piscobalaena nana também tentam encher suas bocas filtradoras com os Sardinops, mas elas não são um predador tão aterrorizante para os peixes quanto se imaginaria pensando nas baleias atuais - essa espécie chegava a "apenas" 4-5 m. O clássico caçador marinho, o tubarão, marca sua presença com um Isurus oxyrinchus (tubarão-mako); entretanto, ele deixa a área antes que pudesse apanhar uma presa, tendo se assustado com um grande crocodiliano (que pode ter chegado a 8 m) que se aproximava logo abaixo, o Piscogavialis jugaliperforatus. Num movimento habilidoso, uma Acrophoca longirostris abocanha um Sardinops separado do cardume, e no céu algumas Pelagornis sp. (grandes aves de ~6 m de envergadura) esperam por sua oportunidade de capturar qualquer peixe que apareça na superfície.
 
Nova arte para o projeto Tales from the Phanerozoic, de João Macêdo. Confira aqui o capítulo sobre o Mioceno Tardio, com a história por trás da cena e informações detalhadas sobre o ambiente e as criaturas.