sábado, 2 de agosto de 2025

Feras Emergentes - Formação Bridger

Um vale em Wyoming, EUA, durante o Eoceno. Após o evento de extinção no fim do Cretáceo e a dizimação dos dinossauros não-avianos, os mamíferos experimentaram sua grande ascenção, ocupando numerosos nichos com formas e tamanhos mais variados do que nunca. Surgiram feras bizarras, grupos que não deixaram descendentes atuais e criaturas que ofereciam um vislumbre do que seriam suas linhagens tão prósperas e, para nós, marcantes hoje em dia.

Em uma floresta rodeada de montanhas e vulcões, um lago reúne animais sedentos, famintos ou apenas em busca de um leve frescor. A figura central trata-se de um visitante, um grande Tetheopsis sp. com um crânio de ~90 cm e cerca de 4 m de comprimento. O animal é conhecido da Formação Washakie, localizada mais ao sul e de idade equivalente (porém mais extensa) à da Fm. Bridger, e a ilustração parte da premissa de que essa espécie possa ter passado pela Formação "vizinha". Seus parentes definitivamente encontrados na região também são vistos na área, com um casal de Uintatherium anceps bebendo no lago. Esses animais eram ligeiramente menores que o Tetheopsis (crânios com aprox. 70 cm e também beirando os 4 m), e exibiam um dimorfismo sexual bem evidente, especialmente nos chifres. 

Essas feras são dinoceratos, grupo com parentesco difícil de decifrar, mas atualmente compreendidos como parte da Laurasiatheria, que inclui os mamíferos ungulados, morcegos, pangolins e a ordem Carnivora. Dinoceratos teriam sido especialmente próximos dos extintos xenungulados, mas há contestação quanto a isso.

Com mais de 2,5 m do focinho à ponta da cauda, um Patriofelis ferox sai da água com uma tartaruga Chisternon undatum abatida, saciando assim tanto a sede quanto a fome. Acreditava-se que esse era um caçador semiaquático devido às suas patas espalmadas, mas tal ideia é hoje descartada - o que, claro, não o impediria de aproveitar oportunidades de caçar algo na água, como na imagem. 

Ainda no lago, capturando moluscos, há um par de pequenas Aletornis gracilis, um gênero bastante variado com fósseis (sempre bem fragmentários) indicando espécies que iam desde o tamanho de narcejas, como as retratadas, até quase tão grandes quanto um flamingo. Tais espécies já sofreram contestação, e o gênero talvez englobe aves de diferentes grupos. Mais ao fundo, na margem, o lagarto Saniwa ensidens de "quatro-olhos" (contando com o par de olhos comuns, o olho pineal e o olho parapineal) bebe e se aquece ao sol.

Partindo para o primeiro plano da cena, vemos movimentação no solo e na copa das árvores. No canto superior esquerdo, um Vulpavus ovatus descansa sobre o galho de uma árvore Lauraceae, sem notar que é observado pelo hienodonte Sinopa major logo abaixo. No canto direito, duas Notharctus tenebrosus fêmeas, primatas com cerca de 40 cm (sem contar a longa cauda), se alimentam das folhas de uma árvore Sapindaceae. Em galhos próximos, um casal de Zygodactylus sp. tenta impedir formigas gigantes Titanomyrma sp. (operárias com ~3 cm) de avançar em direção ao seu ninho com filhotes. Pelo solo, uma Boavus occidentalis, serpente com ~2 m, rasteja entre as folhas secas, enquanto uma Chimaeroblattina sp., inseto que mimetiza vespas, voa pelo canto inferior esquerdo.

Ao fundo, pelo lado esquerdo e adentrando a floresta, aparece um caçador que rivaliza em tamanho com o Patriofelis: medindo quase 2 m (fora a cauda), um Mesonyx obtusidens, predador ungulado basal com aspecto superficial de canídeo, segue um bando de Orohippus pumilus, pequenos equídeos com pouco mais que meio metro de comprimento. 

Finalizando os animais ilustrados, outro "visitante": a grande (~2 m de altura) ave Gastornis sp., que forrageia entre as plantas no centro da imagem, atrás do lago. O animal não é conhecido diretamente da Fm. Bridger, mas sua passagem pela região é especulada com base nos seus registros em outra Formação próxima, a Fm. Green River - assim como os Zygodactylus, as Titanomyrma e a Chimaeroblattina

A flora inclui sequoias distantes, palmeiras (Sabalites) próximas da margem e samambaias espalhadas pelo solo, parte das raras plantas fósseis conhecidas da Fm. Bridger. Green River também inspira a flora dessa época e região retratada na cena, expandindo a variedade de plantas com uma floresta mais rica em angiospermas formada por árvores como carvalho, canela e bordo, além das outras sapindácea e laurácea já citadas no primeiro plano, e algumas cucurbitáceas presentes no solo. 

Entre as rochas na margem do lago, a erosão revela um tesouro que conta um pouco da história que antecedeu essa paisagem, mostrando parte do crânio de um Torosaurus

Nova arte para o projeto Tales from the Phanerozoic, de João Macêdo. Confira aqui o capítulo sobre o Eoceno, com a história por trás da cena e informações detalhadas sobre o ambiente e as criaturas.


quarta-feira, 25 de junho de 2025

Atopodentatus

Atopodentatus unicus, um sauropterígeo basal do Triássico Médio da China. Dotado de um bizarro focinho em forma de martelo, este animal se alimentava de algas e é o mais antigo herbívoro marinho conhecido. Na larga frente da boca, numerosos dentes em forma de cinzel serviam para arrancar plantas do fundo, enquanto dentes posteriors em forma de agulha formavam um "pente" que filtrava a água e mantinha o alimento dentro da boca.

Porcelana fria, escala 1:8.









terça-feira, 3 de junho de 2025

Cretáceo Gélido - Formação Prince Creek

Cretáceo Superior onde hoje está o Alasca, na maior paleolatitude (82-85 ºN) já habitada por dinossauros. Em um cenário constantemente enevoado, frio e de uma noite prolongada por meses, a aurora boreal ilumina a vida pré-histórica desse ambiente que enfrenta sua estação mais desafiadora do ano.

Neste ambiente, a temperatura média anual era de 6-7 ºC, mas durante os meses mais extremos do longo inverno, a média caía para 2 ºC (podendo ficar abaixo de 0 ºC, marcando possivelmente até -10 ºC durante períodos curtos) e podia contar, inclusive, com neve - que, no ponto ilustrado, ainda é razoavelmente leve e não cobre totalmente o solo. Samambaias e cavalinhas, que outrora cobriam a paisagem, estão agora dormentes em seus rizomas subterrâneos, limitando o alimento disponível dos animais herbívoros (ao menos dos que não possam cavar para encontrá-las). Ainda resistem arbustos como a angiosperma Hollickia quercifolia, e coníferas decíduas cujas folhas já caíram quase por completo. As coníferas locais se tratam de árvores relativamente pequenas, de troncos com aproximadamente 20 cm de diâmetro e, segundo estudos mais recentes, de espécies diversas - ao contrário de noções anteriores que consideravam Parataxodium como a conífera dominante da região.

À frente da cena, um clássico conflito entre tiranossaurídeos e ceratopsídeos: Uma Nanuqsaurus hoglundi adulta de aprox. 8 m e seus dois filhos jovens investem contra um bando de Pachyrhinosaurus perotorum. A grande predadora consegue abocanhar um dos filhotes dos herbívoros, e os tiranossauros mais jovens atrapalham os enfurecidos Pachyrhinosaurus e os impedem de salvar a cria a tempo. Os terópodes logo se retiram, mas o pequeno prêmio desta caçada será todo da mãe faminta.

A movimentação dos gigantes assusta o pequeno mamífero Unnuakomys hutchisoni, que deixa seu esconderijo e tenta fugir para longe da confusão. Rapidamente, um Saurornitholestes langstoni impulsionado pela fome enfrenta o risco e se aproxima dos grandes dinossauros irritados para capturar o Unnuakomys que se expôs, e logo em seguida foge para longe com sua presa nas mandíbulas. Outro pequeno mamífero, um Sikuomys mikros, se manteve imóvel e a salvo na base da árvore próxima. 

No lado oposto há outro mamífero, um casal de Cimolodon sp., que também se mantém cauteloso sobre o galho de uma árvore. O perigo em potencial não vem dos tiranossauros, mas de outro terópode que descansa logo abaixo do galho, o Troodon sp. do Alasca (animal que demonstra um tamanho considerável para seu grupo, com possíveis 3,5 m de comprimento).

Mais dinossauros marcam presença no local: um pequeno bando de Alaskacephale gangloffi corre pelo centro da cena, com alguns indivíduos observando o conflito à frente; um pouco à direita, uma thescelossaurídeo fêmea realiza a limpeza de sua toca, enquanto observa uma misteriosa figura maior entre as árvores ao lado; ao fundo e adentrando a floresta, vários ornithomimídeos buscam por alimento vasculhando pelas últimas folhas de conífera em seu alcance, e um deles chega a usar seus braços para inclinar uma árvore jovem; no canto esquerdo, uma manada de hadrossauros uma vez nomeados Ugrunaaluk mas, posteriormente, reclassificados dentro do gênero Edmontosaurus, segue em busca de comida. Comparando fósseis de idade similar, os Edmontosaurus cf. regalis do Alasca aparentemente eram um pouco menores do que seus parentes, medindo cerca de 8 m (E. annectens e E. regalis de outras localidades chegavam facilmente a 10 m, beirando os 13 m nos maiores espécimes).

A cena inclui algumas presenças especulativas, baseadas em registros de Formações próximas que possam justificar tais animais na Fm. Prince Creek: um terizinossaurídeo aparece entre as coníferas no canto direito da cena, chamando a atenção da thescelossaurídeo, e um grande pterossauro azhdarquídeo é visto caminhando ao fundo, não muito longe dos Edmontosaurus.

Nova arte para o projeto Tales from the Phanerozoic, de João Macêdo. Confira aqui o capítulo sobre o Cretáceo Superior, com a história por trás da cena e informações detalhadas sobre o ambiente e as criaturas.