segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Como pesar um anfíbio pré-histórico?

É complicado estimar a massa de um temnospôndilo, pois esses anfíbios não têm descendentes atuais para realizar comparações e testes diretos. O recém-publicado estudo de Lachlan Hart, Nicolás Campione e Matt McCurry aborda o tema com técnicas variadas, as aplicando nos temnospôndilos Eryops megacephalus e Paracyclotosaurus davidi, bem como em alguns animais modernos para analisar a consistência dos resultados. 

Os autores constatam que possivelmente não há uma técnica absoluta para se utilizar nesses anfíbios, pois o grupo é ricamente diversificado e a preservação e a preparação dos seus fósseis variam muito. No entanto, o conjunto de diferentes técnicas oferece bons resultados, e é possível selecionar as abordagens ideais para um determinado espécime.

No estudo, Eryops foi estimado em 102-222 kg, e Paracyclotosaurus em 159-365 kg. É importante podermos calcular a massa de animais extintos pois, quanto melhor conhecermos esse valor, melhor entendemos como era a vida dessas criaturas.

Tive o prazer de realizar a ilustração abaixo para a divulgação da pesquisa!

Confira o artigo aqui:

sábado, 29 de outubro de 2022

A Seca e a Tempestade - Permiano de Karoo

Bacia do Karoo, especificamente a Zona de Associação de Tapinocephalus. Durante o Permiano Médio, o local que se tornaria a África do Sul passa por uma seca que se prolonga além do usual e testa o limite dos animais. O nível da água está preocupante e o sol é implacável, mas a tão aguardada chuva se aproxima pelo horizonte.

Um trio de grandes sinapsídeos, os Jonkeria truculenta, se aproxima do rio para beber água. O anfíbio Rhinesuhus whaitsi parece se incomodar com esses dinocefálios sedentos, e escancara sua boca para assustá-los. Do outro lado do rio, um enorme Anteosaurus magnificus boceja e também se dirige à água. Este é o maior predador do local (o crânio chegava a ~80cm), mas no momento está interessado apenas em matar a sede. À frente, no canto inferior direito, aparecem dois pequeninos escavadores: o dicinodonte Diictodon feliceps espia fora de sua toca, e um Eunotosaurus africanus se aquece sobre uma pedra. Este último é possivelmente um tipo de "proto-tartaruga", mas não sem incertezas - um estudo mais recente o classificou mais afastado das tartarugas e dos outros répteis viventes no geral.

Ao fundo, à esquerda, um grupo de Tapinocephalus atherstonei protagonizam um combate peso-pesado: um jovem macho desafio o alfa do bando, que apesar de maior, tem a desvantagem da idade e da saúde debilitada. Tapinocefalídeos posssuíam crânios maciços e adaptados para desferir cabeçadas, sendo um dos primeiros grupos (se não o primeiro) a desenvolver esse hábito. No lado oposto, alguns pareiassauros, os Bradysaurus baini, descansam na sombra de uma árvore. A árvore se trata da "samambaia-com-sementes" Glossopteris sp., que está em época de perder suas folhas (por isso seu aspecto seco). Outras plantas na cena são as cavalinhas Schizoneura sp., que aparecem nas margens do rio, e as prováveis araucariáceas Agathoxylon sp. que se espalham ao fundo, à frente das montanhas Gondwanides.

Nova arte para o projeto Tales from the Phanerozoic, de João Macêdo. Confira aqui o capítulo sobre o Permiano, com a história por trás da cena e informações detalhadas sobre o ambiente e as criaturas.



sábado, 16 de julho de 2022

Gigantes do Pântano - Carbonífero da Escócia

Visão dos pântanos que percorriam o território que se tornaria a Escócia. Carbonífero Inferior, idade Viseiana. 

O ambiente foi o lar de gigantes, mas de tipos diferentes do que estamos acostumados hoje em dia: artrópodes alcançavam tamanhos extraordinários, e as florestas eram majoritariamente formadas por enormes licopódios arbóreos. Licopódios são um dos grupos mais antigos de plantas vasculares, e se reproduzem por esporos ao invés de sementes. Em contraste a esses titãs do Carbonífero, contam apenas com espécies viventes pequenas.

Entre as plantas da cena, a mais abundante é Lepidodendron, licopódio com tronco de aparência escamosa que chagava a 50m de altura. As demais árvores ilustradas são o outro licopódio Sigillaria, algumas cavalinhas gigantes Calamites e a gimnosperma Cordaites. Plantas menores são a "samambaia-com-sementes" (que não se tratam de uma samambaia. apesar do nome popular) Medullosa e a cavalinha Sphenophyllum.

Um dos maiores artrópodes conhecidos, o milípede Arthropleura, aparece cruzando um tronco de Lepidodendron caído. As maiores espécies desse provável herbívoro poderiam chegar a 2m de comprimento. Também no tronco está o pequeno (com pouco mais de 40cm) temnospôndilo Balanerpeton.

Outro artrópode gigante, desta vez um predador, está caçando à direita da cena: um Pulmonoscorpius, escorpião que poderia alcançar 70cm, agarra um Westlothiana pela cauda. Este pequeno animal com aspecto de lagarto se trata de um parente dos primeiros amniotas.

Além desse escorpião verdadeiro, um dos popularmente chamados "escorpiões-do-mar" também é visto saindo da água ao fundo do ambiente. Um Hibbertopterus, euriptérido (parentes próximos dos aracnídeos) que passava dos 1,5m, se arrasta desajeitadamente para a terra firme - hábito registrado em traços fósseis, mostrando que o animal poderia sobreviver algum tempo fora da água. Também na água, o "proto-tetrápode" Crassigyrinus emerge pra observar a superfície, e o tubarão Tristychius marca presença no canto esquerdo, com suas barbatanas dorsais dotadas de um espinho cada.

Nova arte para o projeto Tales from the Phanerozoic, de João Macêdo. Confira aqui o capítulo sobre o Carbonífero, com a história por trás da cena e informações detalhadas sobre o ambiente e as criaturas.




Atualização 16/10/24: Após mais de 100 anos, foi finalmente descoberta e descrita a cabeça da Arthropleura! Espécimes filhotes revelaram detalhes importantes e, com isso, ajudaram também a compreender melhor a classificação do animal, estabelecendo que ele se trata de um "pré-diplópode" (stem-diplopod). A reconstrução anterior na ilustração se baseava em Microdecemplex, até então considerado um artropleurídeo com a cabeça bem preservada, mas que foi agora reclassificado como um diplópode Chilognatha.

sexta-feira, 29 de abril de 2022

Lusitadischia

Importante adição aos insetos pré-históricos de Portugal: Lusitadischia sai, ortóptero da família Oedischiidae, do Carbonífero Superior. 

O novo táxon é conhecido por uma asa dianteira, e seu raro fóssil demonstra que a diversidade de insetos portugueses do Carbonífero tem sido subestimada por causa da dificuldade em fossilizar e preservar esse tipo de animal. 

Vale notar que seu nome é dedicado ao paleontólogo Artur Sá, por toda a sua contribuição à área.

A sugerida aparência para o inseto em vida é baseada na reconstrução de Martynov (1938) para Metoedischia, parente próximo contemporâneo de Lusitadischia. Tive o prazer de realizar a ilustração a convite de Pedro Correia para a divulgação da pesquisa na imprensa! 

Confira o artigo descrevendo Lusitadischia sai:




quinta-feira, 21 de abril de 2022

Vida e morte no Devoniano - Cleveland Shale

Cleveland Shale, Devoniano Superior (Fameniano) onde se tornaria Ohio, nos EUA.

Em águas rasas, uma grande e já idosa Titanichthys clarki aparece dando à luz um filhote. Este gigante filtrador foi um dos maiores peixes placodermos, alcançando em média 4,15 m* de comprimento. 

A movimentação debilitada da fêmea e o cheiro de sangue atraem atenção indesejada: um trio de "pequenos" (cerca de 1,5 m) Cladoselache sp., holocéfalos (parentes das modernas quimeras) semelhantes a tubarões, se voltam ao filhote. O tamanho do recém-nascido possivelmente já desencorajaria esses predadores de animais pequenos, mas de qualquer forma os 3 são espantados por um Gorgonichthys clarki que se aproxima pela direita. Esse placodermo "dentes-de-sabre", também de grandes dimensões (possivelmente também com um comprimento em torno de 4 m), daria preferência a presas menores e sem carapaça, se interessando mais pelos "tubarões" do que por outros placodermos.

À distância, um perigo maior também notou a fragilidade da mãe e do filhote: um Dunkleosteus terrelli, um dos candidatos para maior placodermo (medindo por volta de 3,4-4 m*). O tamanho e a "armadura" da Titanichthys não devem assegurá-la contra esse carnívoro de grande porte e mordida esmagadora.

Outra espécie de Titanichthys, a menor T. agassizi, é vista se alimentando em um pequeno grupo distante. Também aparecem conodontes, amonóides e alguns corais (rugosos e tabulados), estes últimos muito presentes ao longo do Devoniano, mas raros nesta cena do final do Período. Organismos microbianos, representados aqui por estromatólitos e uma lama negra de tapetes microbianos, estavam tomando o lugar dos animais na formação de recifes, devido a água sem oxigênio do fundo.  

Nova arte para o projeto Tales from the Phanerozoic, de João Macêdo. Confira aqui o capítulo sobre o Devoniano, com a história por trás da cena e informações detalhadas sobre o ambiente e as criaturas.

*Atualização 26/11/23: entre outros pequenos ajustes, os placodermos tiveram a proporção de seus corpos refeita. Engelman (2023) propôs um novo método para calcular o comprimento do Dunkleosteus (usando a distância da órbita para o opérculo), resultando em estimativas menores do que as anteriores e um aspecto mais robusto e atarracado para esses peixes. O novo método prevê o comprimento de outros peixes, incluindo placodermos com impressões do corpo preservada, com precisão considerável, então pode se tratar da nossa melhor tentativa de estimar o tamanho desses animais até agora.



domingo, 20 de fevereiro de 2022

Mares do Cambriano - Wheeler Shale

Wheeler Shale, Cambriano Médio onde hoje fica Utah, EUA. Nesse primeiro período do Eon Fanerozóico, a diversidade de vida na Terra explodiu, trazendo seres com formas curiosas e diferentes do que estamos acostumados a ver hoje em dia.

O maior animal da cena (com "gigantes" 30cm de comprimento) se trata de um Peytoia nathorsti, parente do famoso Anomalocaris e, assim como ele, o superpredador do ambiente. Sua presença assusta alguns conodontes Hertzina sp. no canto superior direito, embora estes não sejam sua refeição preferida (Peytoia preferiria presas maiores e bênticas). 

No canto inferior direito, a cianobactéria Morania forma um tapete que cobre o fundo e atrai alguns Wiwaxia corrugata, parentes próximos dos moluscos (talvez moluscos em si) com aparência blindada e espinhosa. Um indivíduo juvenil aparece na cena, ainda desprovido dos "espinhos". Também sobre o tapete e nas rochas próximas estão um par de trilobitas Asaphiscus wheeleri e algumas Naraoia compacta, parentes próximos mas não trilobitas verdadeiras. Outra trilobita, a muito abundante Elrathia kingii, parece no primeiro plano, canto inferior esquerdo, e com diversos indivíduos espalhados nas rochas mais afastadas. No fundo arenoso ainda é visto o verme escavador Ottoia prolifica.

Outros organismos curiosos são as esponjas, aqui representadas por Choia carteri, com aparência de um disco espinhoso e suspenso do fundo por talos, Chancelloria pentactata com seu aspecto de cacto e a esponja menor Diagoniella sp. Além das esponjas, ainda aparecem alguns Sphenoecium wheeleri (primeiro plano e rochas superiores), que são Pterobranchia (invertebrados coloniais) que formam construções de tubos, e a alga Marpolia sp., que cobre algumas rochas com suas mechas filamentosas.

A ilustração é a primeira produzida para o projeto de João Macêdo, que contará histórias sobre a vida na Terra ao longo dos períodos do Eon Fanerozóico. Confira seu projeto, Tales from the Phanerozoic, onde os novos capítulos serão adicionados futuramente.




quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Caminhando com... Dinossauros!

Durante o Cretáceo Superior onde hoje fica Alberta, Canadá, um pequeno bando de Edmontosaurus regalis cruza as margens de um rio, deixando para trás sua trilha de pegadas. Também marcando sua presença no local estão troodontídeos indeterminados, cuja agitação chama a atenção de um dos ornitópodes, e um Albertosaurus que observa os herbívoros de longe.

A ilustração representa a produção de rastros na Formação Wapiti, mostrando as abundantes pegadas Hadrosauropodus, provavelmente produzidas pelo ornitópode E. regalis, e variadas pegadas de terópodes, incluindo as maiores tridátilas (marcando 3 dedos), atribuíveis a tiranossauros, e as didátilas (2 dedos) provavelmente deixadas por troodontídeos.
Não presentes na imagem, mas igualmente notáveis, são rastros de possíveis terópodes ornitomimídeos e pterossauros azhdarquídeos.

A convite e supervisão de Nathan Enriquez e demais autores, tive a honra de ilustrar a cena para acompanhar seu artigo!

Confira a pesquisa na íntegra:


domingo, 30 de janeiro de 2022

Lesleya ceriacoi - Uma grande planta redescoberta

Lesleya ceriacoi, nova espécie de gimnosperma primitiva conhecida do período Carbonífero Superior onde hoje fica Portugal.

Após passarem mais de 100 anos guardados na coleção do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto (MHNC-UP), seus fósseis foram agora redescobertos e enfim estudados, revelando folhas de tamanho considerável e adaptadas à aridez. Tais adaptações são inovadoras entre a flora de ambientes áridos de seu local e tempo, e trazem implicações sobre sua evolução em meio as mudanças climáticas do período.

O epíteto específico ceriacoi homenageia o biólogo Luis Ceríaco, atual curador-chefe do MHNC-UP e descobridor de diversas novas espécies atuais, em especial répteis africanos.

A convite e supervisão de Pedro Correia e demais autores, tive o prazer de realizar as reconstruções da nova espécie! 

Confira o artigo descrevendo a Lesleya ceriacoi:


À esquerda a reconstrução das folhas fósseis, e à direita uma provável aparência da planta completa.